Este texto não pretende gerar polêmica, já que a polêmica já existe. A reflexão é necessária exatamente porque esse assunto ainda não esfriou: a saída do armador Ricardo Fischer do Bauru rumo ao Flamengo. Os fatos são muito menos espetaculares do que a repercussão, mas os sentimentos gerados não deixam de ser compreensíveis. É sobre isso que opino, sem fazer juízo pra nenhum lado.
AS ÚLTIMAS FARPAS
Em seu reencontro com a torcida na Panela de Pressão — vitória do Flamengo por 100 a 97 —, o Ligeirinho ouviu gritos de “mercenário” e até notas com seu rosto estampado havia. Achei uma irreverência bacana da torcida, afinal, tentar desestabilizar o adversário faz parte do jogo — embora também admire ex-ídolos bem recebidos, como Dwayne Wade experimentou recentemente ao visitar o Miami Heat. Igualmente achei válida a reação do jogador, que postou as notas com bom humor — claro que movido pelo sabor da vitória. Uma pena, entretanto, que ele tenha apagado o post. Media training demais acaba por reprimir a espontaneidade…
Atualizado: ele publicou no Snapgram, publicação que se “autodestrói” em um dia.
Na última semana, Ricardo comentou em seu twitter o fato de Nezinho (hoje no Vasco) ter sido aplaudido pela torcida de Brasília: “Muito legal da parte da torcida! Soube respeitar e agradecer por tudo que ele fez pela equipe… É assim que tem que ser sempre!”. Pareceu uma indireta para a galera bauruense e claro que houve reações: ele não saiu pela porta da frente e perdeu o respeito, foi a média dos argumentos.
Por fim, ontem o Social Bauru publicou uma entrevista (assista logo abaixo) com o jogador (no quadro bacana Fazendo Social, criado pelo Vinicius Fernandes), que admitiu o deslize de ter manifestado sua mudança de time da forma que aconteceu: num vídeo do Snapchat da cantora Ludmilla. Claro que o assunto veio à tona e a resposta foi sem rodeios:
“Na quinta, eu já tinha assinado minha rescisão com Bauru, já estava tudo certo. Na sexta, na hora do almoço, eu fechei com o Flamengo. E realmente eu estava muito feliz. Eu não sabia o que ia acontecer aqui, estava tudo incerto, ainda não havia patrocinador e não sabia se iria receber ou não. Enfim, eu tinha realizado um sonho, tinha dado tudo certo. Estava no meu momento, entre amigos, e nem lembrei de toda a repercussão que poderia dar no Snap dela. Todo mundo levou como desrespeito a Bauru e realmente pareceu, quem achou estava certo. Mas não foi nada disso. Pelo carinho que eu tenho pela cidade, eu queria ter saído tão bem, mas acabei estragando. Foi uma merda, mas infelizmente aconteceu. Eu entendo, pois eu saí para um rival”. Enfim: ele entende o contexto. Mas será que a torcida entendeu o lado dele?
Afinal, Ricardo Fischer foi ingrato com Bauru?
A maior queixa é a de que o “anúncio”, via Ludmilla, aconteceu antes de a informação ser oficializada. Mas não foi no susto. De fato, já estava tudo apalavrado na sexta-feira, tanto que este Canhota 10 soube e publicou em primeira mão — e começou a ferver o assunto, que explodiu no sábado pós-Snap. Ao anunciar a rescisão, o Bauru Basket foi enfático que o fim do vínculo havia sido desejo do jogador. Compreensível: a diretoria havia apanhado muito, no ano anterior, na saída de Larry Taylor. E sem motivo. Até hoje, há quem insista que saíram com o Alienígena, por mais que o próprio gringo-brasuca tenha afirmado que fora uma decisão dele, a fim de buscar novos ares. Da mesma forma, nem um caminhão de dinheiro seguraria Fischer aqui. Estavam diante do desejo legítimo do jogador de querer os holofotes do clube mais popular do país, como mais um degrau no seu plano de carreira de jogar no exterior.
O problema: tudo isso logo após uma doída derrota na final do NBB, com bola presa no jogo 3, treta no jogo 4 e placar elástico no jogo 5. Aí o vacilo de Fischer: o Flamengo estava entalado e lá foi ele com seu “Aqui é Mengão”. Doeu mesmo ouvir aquilo. Muito. Tanto que ainda não foi digerido pelos bauruenses, mesmo depois de ele ter pedido desculpas poucos dias depois (em entrevista ao Jornal da Cidade) e reconhecido novamente agora, ao Social Bauru.
Mas acredito, e essa é a reflexão mais relevante, que essa bronca toda, no fundo, é porque Ricardo Fischer é craque. Porque faz muita falta aqui. Porque foi-se embora o melhor armador em atividade no Brasil. Porque sabemos que o já forte Flamengo pinçou a peça mais preciosa do mercado basqueteiro.
Sendo assim, nem ele foi ingrato — apenas infeliz; tampouco a diretoria poderia segurá-lo. Não sei se um dia essa poeira vai baixar a ponto de essa história deixar de ter um vilão. Só fico pensando o que fazer com a imagem abaixo, tão simbólica, uma recordação do primeiro título internacional da história do Bauru Basket. Apagar, não dá.