Um profissional seguro e ambicioso — na melhor concepção dessa palavra. Foi a impressão que tive de Tuca Guimarães, treinador do Noroeste desde agosto de 2017, quando lhe foi confiada a missão de montar a equipe que vai disputar a Série A3 com objetivo declarado de buscar o acesso. À beira do gramado de Alfredo de Castilho, enquanto o gramado era aparado e outros ajustes eram feitos no palco alvirrubro, Tuca conversou com o Canhota 10 sobre o padrão de jogo que deu ao time , sobre o calendário apertado que exigiu a montagem de um elenco qualificado e anunciou que vai fazer rodízio de capitães. Também comentou passagens de sua carreira, revelou um arrependimento e deixou claro que mira a elite nacional a curto prazo. As linhas abaixo são uma boa oportunidade de o torcedor do Norusca conhecer Tuca e ter uma boa ideia do que esperar de seu trabalho.
Você teve tempo para trabalhar o time e seus conceitos. Está satisfeito com o que foi realizado?
“A princípio, a satisfação é grande. Realizamos o que havia sido planejado. Era o primeiro ponto na nossa caminhada. Outra situação importante é que não tivemos nenhuma lesão muscular. O time está inteiro. Isso mostra que o trabalho foi bem realizado, as etapas foram bem executadas. Vamos começar com um nível bom para estreia, pois sabemos que o ritmo de competição é diferente do de amistosos. Mas nosso ritmo vai ser forte.”
Por serem muitos jogos em pouco tempo, você vai precisar repor peças durante o campeonato. Todos estão prontos e alinhados com um padrão tático?
“Temos 25 jogadores de linha que qualquer um deles pode ser titular. Qualquer um que for designado está em condições de entrar e jogar. Conseguimos montar uma equipe homogênea. Quanto ao formato da competição, vai se sair melhor quem conseguir oxigenar a equipe. Nós vamos poder fazer isso, em função da qualidade do elenco. A partir da terceira rodada, quem tiver de quatro a cinco peças frescas vai levar vantagem no segundo e terceiro quarto da partida [metade final do primeiro tempo e metade inicial do segundo], que é quando tudo acontece.”
São muitos jogadores experientes no elenco, com perfil de liderança. Já definiu o capitão? Além disso, nem todos vão ser titulares, mas serão importantes para incentivar o grupo. Como lidar com esses medalhões?
“Tínhamos a opção de montar um time com dezoito atletas e complementar com meninos com fome por um espaço. Corri disso. Preferi montar um time para brigar por título, que conta com 25 jogadores de linha, todos com condição de ser titular em qualquer time da A3. E talvez alguns fiquem até fora da relação do jogo, mas vão ter que entender que isso é a caminhada de uma equipe vencedora. Em relação ao capitão, a faixa vai ser transitória. Vou variar bastante, cada hora num braço. Vamos entender momento, jogo, adversário e vou buscar ter 25 líderes no meu time.”
Qual o estilo de jogo de um time do Tuca?
“Equilibrado. Não acredito em nenhuma situação que perdure por noventa minutos. Temos que variar bastante as ações e estamos treinando para isso. Mas é uma equipe compacta, que tem bastante jogadores pisando no terço do campo onde o jogo estiver se desenrolando. É dessa forma que conceituo o jogo e que vamos atuar. Uma equipe muito sólida para defender, mas que consiga atacar com bastante gente pisando na área adversária. Esse é o conceito do futebol moderno. ”
Você tem muitas opções do meio para a frente com diferentes características. Independentemente dos números do esquema, vamos ver variações ofensivas?
“Exatamente. Não me apego muito na plataforma tática. Isso varia bastante durante a partida e, se treinamos, podemos variar. E sem dúvida que a característica conta muito. Temos meia de armação, atletas de velocidade com profundidade, homens de área de referência, homens de área com mais mobilidade. Isso dá para variar de acordo com o momento da competição e com o adversário. Até com relação ao desgaste dos atletas. Temos que levar em consideração, e isso vale para todos os times, que são jogadores de uma prateleira de mercado que não têm lastro de jogos o ano todo. São jogadores de uma média de vinte e poucos jogos por ano e que de repente ficam expostos a dezenove partidas em praticamente sessenta dias, um volume muito maior do que estão acostumados. Então, se não tiver um giro de elenco, a tendência de ter problemas de lesão ou quedas acentuadas de produção aos vinte do segundo tempo é muito grande. Vamos minimizar isso com a qualidade do grupo.”
Com remanescentes da Copa Paulista e reforços que você teve a oportunidade de escolher a partir de uma convivência anterior, você conseguiu dar a cara do time que pretendia?
“Sem dúvida. Extraímos o que era melhor do grupo anterior e qualificamos. Melhor, impossível. Temos um grupo muito competitivo para a Série A3. Nem falo em conter a euforia da torcida. Isso é natural e vai nos ajudar bastante. A busca é pelo acesso. Mas temos que pautar nossa caminhada por degraus. Nosso primeiro degrau é nos mantermos no G-4 para poder planejar a segunda fase, que é mata-mata.”
São duas situações. Tem que preparar o time para se comportar em pontos corridos, depois reagir rápido para sobreviver em mata-mata. Como a sua vivência de atual campeão da A3 pode ajudar?
“São duas competições. Primeiro, acumular gordura, estabilidade no G-4, para ter paz nas últimas rodadas. Aí, planejar o mata-mata, quando não se pode errar. Haja vista o Olímpia, que foi perder seu primeiro jogo justamente no jogo do acesso, dentro de casa, para nós [Nacional]. Acaba apagando tudo o que foi feito durante a competição por aquele momento. Mas vamos com certeza chegar fortes no mata-mata, só que antes temos que viver intensamente os pontos corridos e garantir o quanto antes a vaga no G-8.”
Pelo que observou na montagem dos elencos dos adversários e pelos trabalhos, viu times que despontam como principais oponentes do Noroeste?
“É uma divisão que é difícil mensurar forças antes de ser dada a largada, principalmente em função dessa falta de lastro. A maioria das equipes com jogadores que estavam parados desde a primeira fase da Copa Paulista, por exemplo. Então, até essa equipe mostrar o que vai fazer, são três ou quatro rodadas. Claro que temos informações pontuais que ajudam, mas os primeiros vinte minutos dos jogos é que vão ser fundamentais para tomar decisões.”
Há uma discrepância entre a Série A do Brasileiro e a Série A3. O que você tirou de aprendizado da sua passagem pelo Figueirense que pode aplicar nesse momento?
“O Figueirense foi um divisor de águas para mim pela forma como fui acolhido pelos atletas. Minha ida para o futebol de campo foi complicada por conta de conceitos, trouxe muita coisa do futsal. E como isso seria recebido era uma coisa que me incomodava bastante. Peguei jogadores experientes, como Carlos Alberto, Rafael Moura. Mas tudo foi bem aceito, me abraçaram de uma forma… Isso me deu muita segurança para dar sequência, entender que estava trilhando um caminho diferente, mas correto. Na minha carreira, talvez eu tenha errado de não ter assumido o Boa Esporte [no início de 2017] para ir para a Portuguesa. Apostei num gigante, mas não sabia como era a Portuguesa internamente e me deparei com uma situação complicada. Tive doze dias para montar um time e acabei tendo problemas. De lá, assumi o Nacional na A3 em décimo lugar, com risco de rebaixamento, e acabamos tendo uma campanha fantástica. Aí veio o Noroeste. Costumo encarar os desafios com a mesma intensidade, aqui ou no Figueirense é igual. Quero de coração que a imprensa, a cidade, a torcida criem uma atmosfera para que o Noroeste seja muito forte dentro de casa. E que eu coloque o meu nome nessa página de reconstrução de um grande clube. Que o clube volte para a A2, depois A1, tudo degrau por degrau. Estou encantado com a mobilização das pessoas. Tudo isso é pautado em paixão, temos que ter cuidado com isso, mas tenho certeza de que a resposta em campo vai ser boa e o Noroeste vai voltar a ser forte.”
Já que mencionou a carreira: sua passagem pelo futsal é bem-sucedida. O que trouxe de lá, de conceitos para aplicar nesse campo maior?
“Trago tudo. Minha linha de trabalho foi montada em dez edições de liga nacional, dois anos de seleção peruana, Copa América, seletiva de mundial, fui vice-campeão da Libertadores de futsal em 2009. Trouxe essa experiência para o campo. Em 2003, quando estava na seleção peruana, o treinador do campo era o Paulo Autuori. Treinávamos no mesmo lugar e um dia comentei com ele que tinha vontade de migrar para o futebol. Ele me disse que eu tinha uma ferramenta que poucos tinham, que se eu soubesse aplicar, iria abreviar a fila. Foi a partir dali que comecei a criar minha relação com o futebol, esperando minha oportunidade. O começo foi duríssimo, tomei muita pancada em time que não pagava, estruturas ridículas. Mas nunca recuei. Tive propostas para voltar a futsal, pela credibilidade que construí lá, mas sabia onde queria chegar. Acredito que o futsal é um divisor de águas. O PC [Oliveira, ex- treinador da seleção de futsal] já começou com sucesso [campeão da Copa Paulista 2017 pela Ferroviária]. É uma modalidade que pode acrescentar muito ao futebol, como o vôlei e o basquete nos exemplos de gestão. São modalidades com menos esquemas, menos meandros. Espero conduzir minha carreira assim para voltar a uma prateleira de mercado onde já pisei. E num futuro não muito distante.”
Quais são suas referências na profissão? Além do Branco (lateral-esquerdo campeão do mundo em 1994), de quem foi auxiliar, quem mais o ajudou a formatar o seu jeito de ver o futebol?
“O Branco é um pai que eu tenho. Falo com ele a cada três dias. É um ídolo que virou amigo. Tenho um respeito enorme, pela pessoa que é. Quando fui efetivado no Figueirense [setembro de 2016], foi na mesma época que surgiram Jair Ventura, Zé Ricardo, Marcelo Cabo… Formamos um grupo, conversávamos muito, temos uma linha parecida na qual acredito. Claro que cada um pode ‘chegar ao Japão’ por caminhos diferentes, mas acredito no trabalho equilibrado, na quantificação de treino, em criar situações de jogo no treinamento… No futsal, o PC me ajudou demais. Em 2000, quando assumi o juvenil do Corinthians, ele era treinador da GM e permitiu que acompanhasse os treinos dele. Segui a linha dele fielmente, depois fui criando minhas ramificações. Mas foi um cara que pautou meu início de uma forma fantástica. Em gestão, sou fã de carteirinha do Bernardinho, da forma como ele conduz pessoas. Construo com um pouquinho de cada um e dou a minha cara para buscar um futuro promissor.”
Para ajudá-lo nessa missão, você tem duas pessoas na comissão técnica muito identificadas com o clube: Marcelo Santos e Diego Kami Mura. Como tem sido esse trabalho conjunto?
“O Marcelo já foi meu capitão quando fui seu treinador. Já tinha uma identificação. Eu e o Kami Mura temos uma linha de trabalho muito parecida. Isso se afinou com muita tranquilidade. É um relacionamento excelente, são pessoas por quem tenho muito carinho. Estamos conseguindo colocar uma linha de trabalho que vai ser difícil achar alguém melhor preparado. Podemos nos deparar com adversários que estejam tão preparados quanto nós, mas mais preparados vai ser difícil. Vamos fazer uma grande competição.”