Perdi um tempo pensando na melhor foto de Cláudio Zopone, presidente da ABDA (Associação Bauruense de Desportos Aquáticos), para abrir esta entrevista, mas estava fácil. Ele no meio de suas crianças, que ele “ama de paixão” — termo que carinhosamente repete muitas vezes durante a conversa. Nesse caso, com as meninas sub-17 do polo aquático, comemorando o título paulista na manhã de 30 de setembro.
Na tarde daquele mesmo sábado, ele abriu as portas de sua chácara para receber a imprensa, papear mesmo. Mostrou com orgulho a sala de troféus, os recortes de jornal devidamente enquadrados e uma coleção de DVDs com todos os jogos do polo aquático, seu esporte preferido, que ajudou a moldar seus valores e que serviu de pilar para a fundação do projeto que hoje dá oportunidade a 3.900 crianças em Bauru. É frequente a visita das crianças ao espaço (“É delas”), naquele sábado mesmo a molecada do polo que havia jogado à tarde iria jantar lá. Era o time sub-19, que havia vencido o Paulistano na Arena ABDA (o impressionante complexo erguido com recursos próprios). De olho na transmissão ao vivo no canal do Youtube da ABDA, Cláudio grita, vibra, ajoelha-se para comemorar gols. O olho brilha por essas crianças — ele se refere a elas assim, desde os cotocos até os jovens, e cumprimenta a todas com beijo na testa (“Sinal de respeito e de benção”).
Apesar de contar com várias parcerias (Lei de Incentivo ao Esporte, Ministério do Esporte, Grupo Multicobra, Semel, BTC, ADPM) e patrocinadores (CVC, Pernambucanas, BNP Paribas), a maior parte do investimento é próprio e carrega as marcas das empresas que administra com o irmão, Júnior (Zopone Engenharia e Comércio LTDA., Z-Incorporações). Mas ele não gosta de falar de dinheiro. Gosta de falar de suas crianças. E eu gostei de ouvir. Sendo assim, a entrevista abaixo está imperdível e dá a dimensão deste projeto que orgulha toda a cidade e que já é referência nacional — o Comitê Olímpico Brasileiro, recentemente, enviou um dirigente para conhecer de perto e propor parceria. Tenha uma boa e inspiradora leitura.
Vamos do início: quando você teve a ideia de criar a ABDA? Por que esse estalo?
“Primeiramente, é bem simples: eu e meu irmão sempre fomos muito solidários. E solidariedade é diferente de caridade. Solidariedade é quando você tem uma ideia, um projeto para fazer a diferença na vida futura. Muito antes da ABDA, vínhamos trabalhando, montando creches, arrumando… Mas vimos que não estava sendo para o futuro. Eram situações que estavam simplesmente resolvendo problemas imediatos. Não tinha uma programação de futuro para melhorar a condição da criança, de como adulta promover a melhora de sua família. Então, fundamos a ABDA com três pilares fundamentais: educação, esporte e respeito. A partir do momento que tem os três, é para a vida toda. O respeito nunca mais você perde. E não existe respeito sem ética, sem decência, sem honestidade. Educação é uma coisa que ninguém te toma, é sua para o resto da vida. E o esporte é uma ferramenta para trazer a criança para o nosso lado e conseguirmos imbuir nela todos os outros pensamentos que nós temos: que ela se torne feliz, honesta, colaborativa, que tenha a noção de que pode fazer a diferença daqui pra frente.”
Aí, atraiu para uma modalidade que você tinha afinidade, o polo aquático.
“E para a natação, porque o polo aquático não vive sem a natação. E meu irmão, como gosta muito do atletismo, trouxe. Depois começamos com a natação PcD [pessoa com deficiência] e, como temos muitas crianças que não têm uma aptidão para o esporte, criamos a orquestra e o coral. Tudo isso monta uma corrente muito positiva, que é o principal objetivo: resgatar as crianças para o bem, que elas tenham o direito de sonhar de novo, almejar algo melhor, ter pensamento positivo. Conquistar a felicidade num ambiente correto, onde o bem se propaga. São ferramentas que você trabalha por um bem maior, transformá-las em crianças melhores, cidadãos melhores.”
Nesse período todo, você deve ter vivenciado várias conquistas. Nem falo de títulos, que são consequência do envolvimento com o esporte, mas de ver a família buscar uma situação melhor a partir desses bons exemplos…
“Tem uma criança lá que eu adoro de paixão. São sete irmãos. A mãe deles esteve em estado prisional. Dos sete irmãos, dois treinam com a gente. Quando ela saiu, não tinha condições de cuidar da família. Então, fora a alimentação que fornecemos às crianças no almoço, demos cestas básicas para poderem jantar. Num belo dia, ela liga: ‘Não preciso mais. Estou trabalhando, já me ajudaram o suficiente. Ajudem quem precisa’. Isso é uma prova de que o contexto muda as pessoas. Todo mundo quer ser do bem. As pessoas não são do bem, na grande maioria das vezes, por falta de oportunidade. Toda mãe, pai ou representante, avô, avó, quer ver uma criança bem encaminhada. Como esse exemplo há inúmeros. São duzentas crianças com pai ou mãe em estado prisional.”
E vocês criaram um ambiente sem muita vigília ou pressão, exatamente para um seguir o exemplo do outro…
“A grande verdade é que criança tem que ser educada, não tem que ser reprimida. Tem que respeitar e ser respeitada. A disciplina é uma consequência da educação. Reprimir é fácil, educar é difícil. Quando educa é para sempre, quando reprime é para o momento. Claro que tem que ter penalidades, mas educativas. A diferença pode parecer tênue, mas é grande. A criança sente quando você tem amor por ela e a respeita. Quando há distância, a repreensão se torna uma atitude péssima. Quando você é presente, a criança sente. Tem que ter amor.”
Falando em amor: na inauguração da Arena, no seu discurso muito emocionado, você disse às crianças: ‘Não me decepcionem’. Você não é um simples investidor, alheio ao dia a dia do projeto. Está totalmente imerso e são como seus filhos, né?
“Eu vou à Arena uma vez a cada duas semanas e aos sábados. Há sábados que não vou. Mas minha presença se faz nos pequenos detalhes. Eu sei a nota de todas as crianças. Recebo a lista de presença no final de todos os dias: quem faltou, em qual piscina, qual campo de atletismo, se na música ou no coral teve mais ausência. Quero saber por que faltou, o que está acontecendo. Se o ônibus que estão usando é bom, se estão sendo bem alimentadas, se o restaurante está sendo dedicado como somos dedicados na hora de pagar a conta. Quero saber se estão usando uniforme, se o uniforme é bom. Se estão se comportando bem. Não precisa estar presente para sentir isso. Precisa estar dedicado. E quando tenho tempo de ir, aí é apaixonante.”
E você criou um estafe ao seu redor que comunga do mesmo espírito…
“Exatamente. Nossos coordenadores e professores têm que ter essa comunhão, amar o que fazem. Se está por estar, não quero. Tem que estar por amor, não por obrigação. Por obrigação não quero ninguém. Um professor que não respeita aquilo que ensina não merece o respeito da criança, não merece estar com a gente. Se ele se dedica, vai ter nosso respeito.”
Eu sei que os resultados esportivos não são a prioridade, mas estão sendo uma grande consequência. Quando começaram a surgir?
“Foi muito rápido. Quando você escolhe os melhores profissionais a que tem acesso, dá estrutura, faz com amor e não aceita que suas crianças não sejam bem treinadas, bem alimentadas, não aceita que não estudem, que melhorem como filhos, como irmãos, claro que vão ser boas em tudo! Não tem como, fechou o contexto. Bom aluno, bom filho, bom irmão… vai ser bom no esporte também. Vai ser disciplinado, comprometido, vai jogar coletivamente — mesmo no esporte individual, pois vai ser colaborativo no treino. As coisas não andam sozinhas.”
Eu já imagino que isso vai acontecer um dia. Mas você consegue visualizar o que você vai sentir quando uma dessas crianças se tornar medalhista numa Olimpíada?
“Vou amar de paixão, óbvio. Mas minha maior conquista vai ser daqui dois anos, quando vão se formar os primeiros engenheiros. Vai ser a maior conquista da ABDA, a primeira leva que começou com a gente, com bolsa universitária. Isso vai se propagar de uma maneira para nossa cidade, nosso ambiente, que uma medalha olímpica vai ser simplesmente consequência.”
Você conta com esses ‘veteranos’ como multiplicadores? Com essa responsabilidade de serem exemplos para os mais novos?
“Lógico. Tanto que os mais velhos — que são um custo maior, faculdade não é barata — são responsáveis pela disciplina, pelo ensinamento e por cuidar dos mais novos, por protegê-los. E por não deixar que qualquer tipo de droga entre na ABDA. Essa é a responsabilidade dos mais velhos. Eles sabem disso e cumprem integralmente. Tanto que hoje não temos problemas com isso.”
Por tudo que vocês fazem, merecem mais apoio. A Prefeitura poderia ajudar mais? Novos patrocinadores…
“Acho que todo mundo ajuda até onde dá. Nossa estrutura, de cabo a rabo, do federal ao municipal, tem que ser mais elaborada. Todo mundo tenta muito. Alguns da maneira errada, outros do jeito certo. Vamos falar de quem tem boa índole, pois quem não tem não me interessa. Quem tem boa índole às vezes fica engessado. O Brasil tem muito dinheiro para o esporte, muito mais do que o suficiente. Nossa base de crianças é absurda, mas tem que haver um plano estratégico de unir poder federal, estadual, municipal, as escolas, a iniciativa privada e montar projetos para todos os poderes trabalharem de uma maneira unida. Sem uma escola boa, não adianta tudo o que fizermos no esporte. O esporte tem que andar de mãozinha dada com a escola, senão não vamos para lugar nenhum. Nunca. Quando a criança faz esporte, ela tem que ser competitiva — em campeonatos internos, municipais, escolares. No estadual ela não vai? Não tem problema.”
Ela vai superar a si mesma.
“Exatamente. Vai ser colaborativa. Se não for boa no esporte, vai aproveitar a estrutura que a escola tem, vai crescer. Temos que nos unir mais, não dividir. A Prefeitura ajuda, sim. Não gosto de reclamar de ninguém. Minha postura é de esperar o que vem de bom. Quando você vai fazendo o bem, as pessoas vêm junto. É muito fácil ficar reclamando, é cômodo… Nós, brasileiros, somos muito reclamões. Ninguém gosta muito de fazer, mas quando alguém faz: ‘Vou fazer também!’. Vamos juntos! Ficar falando que governo não ajuda é papo furado. Vamos fazendo, atropelando, que o governo vem junto.”
O negócio é conquistar o incentivo depois de provar que dá certo?
“Vem cá: com tanta coisa errada que tem no Brasil, quem vai apoiar alguma coisa que não seja sólida? É difícil, concorda? Temos um monte de problemas. Estruturas malfeitas, sacanagens, gente querendo tirar vantagem… Como uma empresa séria vai apoiar sem ver o resultado? Vai manchar a imagem dela? Não dá para julgar essa empresa. Tem que conquistar o respeito. É justo.”
Falando especificamente da Arena, que é um projeto espantoso. São duas piscinas olímpicas de padrão internacional, ainda vem uma terceira etapa. Já é um centro de excelência para treinar as crianças, mas dá para receber muitos eventos de grande porte…
“Nós disponibilizamos a Arena tanto para a Federação Aquática Paulista, quanto para a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. Aqui é a casa deles. Qualquer seleção que montarem será bem-vinda, está aberto. A ABDA é para todos, sem exceção. Não paga para nadar, não paga para treinar, só tem que cumprir nossas regras. Temos código de conduta, regras para haver convivência pacífica e decente. Mas a Arena é para todos, não importa de onde venha.”
Inclusive do exterior…
“A Hungria veio fazer aclimatação para a Olimpíada aqui em Bauru. Seleção brasileira também. Amaria ser sede de todas as seleções brasileiras. E vamos receber todos os campeonatos que pudermos. Embora seja custoso: estrutura, ambulância, socorrista, segurança… Mas é muito importante. Vem o torneio do Thiago Pereira [dia 8 de outubro], o treinador Alex Pussieldi vai palestrar para nossos educadores e para as crianças. Investimos muito em treinamento, em tecnologia, queremos saber o que está acontecendo no mundo. Para todos os nossos treinadores há verbas destinadas para cursos, para a faculdade. Pagamos 40% da mensalidade da faculdade de todos os profissionais que trabalham com a gente — e para os cursos de aprimoramento que tiverem afinidade com o que fazem. Incentivamos aqueles que treinam nosso bem maior, que são as crianças.”
Insistindo num ponto que abordei lá no começo. A sua satisfação é mudar a vida de muitas pessoas? Lembro-me da sua emoção, ao lado do seu irmão e da sua mãe, no dia da inauguração da Arena…
“Você lembrou bem. Meu irmão é mais velho e sempre me protegeu. Sentir-se protegido é muito bom. Como tive muitas bênçãos, meu dever, minha obrigação, é proteger quem não tem proteção. É simples. Só devolver aquilo que você recebe. Recebeu muito, dá muito. Acabou.”
E o que você imagina para o futuro, daqui algumas décadas?
“Espero que os que estão se formando sejam excelentes profissionais e voltem para me ajudar. Se Deus quiser. Falo para eles: ‘Quando vocês se formarem, sumam da minha frente, vão trabalhar, ajudar a família de vocês. Vão comprar casa, carro, ser bons engenheiros, fisioterapeutas, advogados, professores de educação física etc. Sejam muito competentes. E, quando puderem, voltem para ajudar a ABDA'”.
O que você está plantando é para ter uma vida longa? Para não ficar personificado em você?
“Você tem razão. Não pode toda essa estrutura ficar na mão de uma pessoa. Tem que ter continuidade. Você tem que propagar a sua imagem, o seu pensamento, o seu sonho. A grande maioria das crianças comunga com o sonho que tenho. Inclusive meu filho mais novo, que já falou pra mim que quando eu vier a faltar ele vai tocar.”
Você me deu a deixa: tem dois filhos, mas tem outros 3.900. É curioso, porque eles poderiam até ter ciúme. Mas imagino que tenham orgulho.
“É zero ciúme. Eles são amigos. Claro que sei separar. Tenho o dia de ficar com a família e o dia de conviver com meus outros filhos, o pessoal da ABDA. E quando eu vou, meu caçula vai comigo. Ele tem os amigos lá, os companheiros de almoço, de futebol. Meu filho não faz nenhum esporte vinculado à ABDA. Joga tênis, é bom jogador. Adora o que faz, ainda bem. Porque tudo o que eu faço não é para ele. É para todos. E ele já falou pra mim: ‘Papai, a ABDA toco eu!'”
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