Nada de Panela de Pressão ou a frieza de uma sala de convenções. Guerrinha convidou a imprensa para uma coletiva no condomínio onde mora, à beira do lago onde, certamente, irá pescar com mais frequência nos próximos dias. O vento no rosto tentava amenizar o semblante, de visível tristeza. Apesar de sereno, Jorge Guerra embargou a voz por várias vezes. Continua tentando entender o que aconteceu, mas já está virando a página — deixou no ar que em breve estará de volta à ativa. A seguir, o resultado dessa conversa franca:
O fim
“Pra mim é muito triste fazer essa despedida. Mas faz parte. Eu sou público, mexi com muitas pessoas aqui em Bauru e tem que ter explicações sim. Tenho que ter equilíbrio, pois tenho muitos anos de carreira sempre num alto nível de cobrança. Mesmo emocionado, o que faz parte do ser humano… Estou na mesma situação do torcedor: sem entender. Mas tenho que respeitar, sempre cobrei hierarquia. É muito difícil definir o que é certo e errado. O que posso falar é que também fui pego de surpresa. Estava tudo caminhando para treinar forte a partir de agora, depois de todos problemas que tivemos na pré-temporada. Agora espero que eu ajude, com a minha experiência e a minha entrega, outra equipe.”
A obsessão do NBB8 pode ter sido a motivação desse desligamento?
“Seria a única coisa. Mas tomar uma decisão desse porte é falta de planejamento, falta de respeito com quem está trabalhando. Quer mexer com o jogador? Dispense o jogador… Não é porque estou falando em causa própria, mas sempre fiz o máximo. E falar que meu perfil é de trabalhar com jogador mais velho. Eu já trabalhei com jogador bom, ruim, mediano, já tirei leite de pedra e fiz vários jogadores. Quem fez o Gui? Quem estava fazendo o Ricardo? Leandrinho? Murilo? Falar que vai trazer um treinador que trabalha com jogadores jovens… Respeito, mas mostrei que meu perfil é para trabalhar com qualquer tipo de elenco. E, principalmente, ter o controle, pois não é fácil dirigir um time. Dentro desse raciocínio, se precisar dispensar um treinador com a história que eu tenho no basquete brasileiro pra motivar um elenco desse nível… Não é um raciocínio lógico. Eu posso falar como profissional de basquete. Tem muita gente que é torcedor e acha que entende. Uma vez o Muricy Ramalho disse uma frase fantástica, de que jogador que joga em time grande e ganha bem não precisa de motivação. Tem é que agradecer. Se precisa de motivador, tem que contratar uma psicóloga e não demitir o técnico.”
Como os investimentos vão diminuir e esta é uma temporada-chave, foi uma medida até desesperada para ganhar o NBB8?
“Mas qual a certeza que tem de que vai ganhar? Nem o Flamengo tem. Profissionalismo pra mim é planejar, cumprir, avaliar e fazer mudanças no fim da temporada. Se não conseguiu, estou de pleno acordo. Quando falam que mandaram tal jogador embora, não é bem assim, apenas não renovaram o contrato. Mandar embora é o que estão fazendo comigo. Isso se faz ou pelo desespero que você comentou ou por problemas disciplinares. Já houve situações muito mais complicadas no passado e que foram relevadas. Mas quem pode responder são eles.”
Reação do jogadores
“Ficaram surpresos como todos. Tive total apoio deles, mas são profissionais e têm que seguir trabalhando.”
Começo do fim da Associação?
“Torço para não acontecer nada, como torci para não acabar um adversário como Limeira. Não é bom para o basquete.”
Alguma interferência externa ao trabalho pode ter contribuído?
“Não… Sempre respeitaram muito a comissão técnica. Lógico que a decisão final era minha, mas tínhamos uma dinâmica legal de decisões. A diretoria tem todo o direito de participar e colocou os objetivos da temporada: essa primeira parte era para curtir, mas nós não levamos para esse lado e fomos para ter resultados. O objetivo era claro: NBB e Liga das Américas. Sempre foi muito legal o jeito de trabalhar, de forma alguma teve atrito. A gente só cobrava execução e os jogadores mesmo se cobravam. E nada mudou do ano passado para este. Pode haver acomodação? Faz parte. Mas só o técnico tem responsabilidade?”
Se vão ter que cumprir seu contrato, não foi uma decisão financeira…
“No meu contrato diz que têm que pagar até junho se fosse uma decisão deles. Se fosse minha, não. Eu pedi um jogador a mais e não tinha orçamento. Agora, vão ter que achar no orçamento para pagar outro treinador. Mas Bauru pra mim já é passado. Um passado muito feliz.”
Vai frequentar a Panela?
“Não… Posso incomodar muitas pessoas, atrapalhar… Não quero atrapalhar ninguém. Gosto de assistir basquete, mas pra mim seria muito difícil. Para a equipe também saber que estou no ginásio. Tem que pensar um pouquinho…”
Substituto
“Olha… Eu não aceitaria esse desafio. E olha que eu gosto de desafios! Vai ser um desafio muito grande pra quem entrar.”
Cobranças
“A melhor coisa é ter o ginásio lotado e as pessoas cobrando do que atuar em ginásio vazio. Entrei no basquete em julho de 1975, há 40 anos! Quando eu jogava em Franca, não podia nem ir a festa de família quando perdia um jogo… Então, lido bem com pressão. Posso não concordar, como quando questionam taticamente um time com um potencial de bolas de três. Meu amigo Oscar já sabia há muito tempo que o bom aproveitamento nesse quesito traz muitos títulos. Eu fiz um levantamento: tivemos o mesmo percentual de aproveitamento da temporada passada. A passada foi boa? Alguém reclamou? Muita gente questiona os chutes de três do time, mas o foco não é o ataque. O que íamos trabalhar forte era a defesa. Precisa voltar a bola de dois, mas com contra-ataque. O time estava sem saúde para fazer isso no início. Agora sim pode começar um trabalho tático.”
Impacto da saída para o basquete brasileiro
“Falei para o Rodrigo [Paschoalotto]: da mesma forma que a gente constrói, a gente destrói. Tenho recebido inúmeros telefonemas de técnicos, dirigentes, pessoas da imprensa me falando desse impacto. É maior negativamente. Mas pode ser passageiro. De repente a decisão é ótima, continuam ganhando e a vitória é a melhor resposta para tudo. Se continuar ganhando, continuará como estava, só trocou o nome.”
Futuro: gestor ou treinador?
“Essa parte de gestão é complicada de existir em equipes. Geralmente, é um administrador da própria cidade, um ex-jogador que não conseguiu virar profissional e não vivenciou o que a gente vivenciou na quadra. O Brasil não tem essa cultura, não tem estrutura. Deveria. Eu tive vários convites para ser gestor, o Rodrigo me convidou. Mas eu não quis por causa do Vitinho, que sempre foi um cara comprometido. Achei que seria uma falta de ética da minha parte, tive essa leitura. E tem tempo ainda, apesar da minha idade, eu tenho muita saúde. Falo muito com o Lula [Ferreira, treinador de Franca] e ele me disse ‘Você está no meio da sua carreira, tem um vigor físico muito grande, um raciocínio muito rápido, porque traz isso de armador e sabe se adaptar a situações e tirar o melhor de um jogador’. Ouvir coisas assim do Lula… Outros técnicos me ligaram, como o Rinaldo [da Liga Sorocabana], a gente briga muito, mas ele me ligou completamente alucinado. Quando eu parei de jogar, me disseram que eu tinha mais três anos, mas eu queria parar assim. Como técnico, a mesma coisa. O dia que eu não tiver capacidade, eu paro. Mas pra falar da minha capacidade, hoje, é só falar o que fiz oito anos em Bauru, tantas coisas que passaram na minha mão. Um time com a incerteza de jogar um Torneio Novo Milênio e chegar à NBA… Que até fez Marília torcer por Bauru! Não preciso provar nada pra ninguém e acho que ainda posso, como técnico, ajudar muitas equipes.”
Seleção? Clube no exterior?
“Seleção não faz parte dos meus planos hoje. Não se pode falar nunca, mas hoje não faz parte. É muito desgastante. Quando estive lá, foi um reconhecimento pior do que tive aqui [risos]. Em clubes, é muito difícil trabalhar no exterior, é muito fechado. Só na Venezuela, e um agente já me ligou, mas já estive lá e é muito complicado.”
Desabafo
“Permanecer muito tempo no mesmo time, na mesma cidade, incomoda muito as pessoas. Mas deveria ser de reverenciar, como um Pelé que joga só no Santos, um Ademir da Guia que joga só no Palmeiras. Mas hoje tudo ficou simples, tudo rápido, e eu sou meio antigo ainda… Eu tenho sim projetos para continuar no basquetebol brasileiro, que eu ajudei a fazer parte do crescimento, em reuniões do comitê da Liga. Naturalmente, haverá outros ciclos. Se aparecer um convite, vou analisar. A parte financeira é a menos importante. O mais importante é trabalhar com as pessoas, a cidade, os objetivos. Não preciso de nada pra me motivar, sou muito competitivo, gosto de tirar o máximo. Gosto de viver cada dia como se fosse o último. Por isso as pessoas confundem quando me emociono muito. Mas eu faço as coisas com emoção mesmo.”