Essa foi a frase que Guerrinha respondeu para mim, em rápido áudio no whatsapp, em meio ao turbilhão de ligações que tem recebido durante a tarde – ele prometeu uma nota oficial ainda hoje e, em breve, uma coletiva. Todos, claro, atônitos e surpresos com a notícia de que ele não é mais técnico do Paschoalotto Bauru. De fato, o Dragão era um filhotinho, oito anos atrás, quando ele, Jorge Guerra, chegou com a pastinha debaixo do braço, recomeçando do zero.
Atualizado: saiu a nota oficial de Guerrinha: “Gostaria de agradecer todas pessoas que fizeram parte dessa minha jornada na cidade d Bauru. Na primeira parte, os 5 anos com o Tilibra e a segunda parte, os 8 anos com o Bauru Basketball Team. Nos dois ciclos tive a felicidade de não só ter feito um trabalho com filosofia de comprometimento, dedicação, superação e entrega como também de ter trazido resultados vitoriosos para a cidade de Bauru com mais de 800 jogos. Hoje recebi a notícia, por decisão do comitê gestor e diretoria, que estaria encerrado meu ciclo na equipe de Bauru por motivos de troca de filosofia de trabalho. Fico profundamente decepcionado da forma como fui surpreendido, sendo punido pelo sucesso de um time, mas ao mesmo tempo feliz por ter sido com um projeto do zero e colocando o nome dessa cidade que mora no meu coração e que me adotou como cidadão bauruense, definitivamente no cenário do basquete mundial.
Nós escolhemos nossos caminhos, tomamos decisões e traçamos nossos objetivos, mas Deus sabe sempre o melhor para nós.”
Esse perfil faz-tudo, aliás, foi forjado antes de Bauru. Guerrinha está diretamente ligado à criação do COC/Ribeirão Preto, que fez história no basquete entre 1997 e 2006. Em sua primeira passagem por Bauru, entre 1998 e 2003, esteve sempre envolvido com questões extra-quadra, o que se intensificou na nova Associação, que é inegavelmente fruto direto de sua entrega. Criou o dragãozinho com zelo, superproteção até, brigando por cada ferida aberta até que ela cicatrizasse. Até o timaço atual sair cuspindo fogo e pescando medalhas.
Dedico alguns tópicos de lembranças da passagem de Guerrinha, uma homenagem das muitas que ele merece receber. A comoção nas redes sociais na tarde desta sexta-feira mensura sua importância para o esporte de Bauru. Claro que não era perfeito, nem unanimidade, mas creio que o momento seja de gratidão e reverência, enquanto se apura o que houve — e para sempre. O comunicado oficial fala em “fim de ciclo”, mas os torcedores exigem detalhes, satisfações mesmo. Que havia desgastes, numa relação de tantos anos, certamente. Que o momento financeiro do time é delicado e pode ter havido alguma decisão nesse sentido, também. Guerrinha falou em sua nota de “mudança de filosofia”. Mas nenhuma rusga há de apagar o que ele fez pela Cidade Sem Limites. Como ele mesmo disse em recente entrevista ao Canhota 10, quando recebeu o título de Cidadão Bauruense: “Já ganhei bastante coisa, mas o prêmio que mais fica é o respeito e a gratidão. O que mais fica é o dia que eu estiver fora daqui e lembrarei o legado que eu deixei. Isso não tem prateleira, está na mente e no coração das pessoas. Aos que acham que faço algo errado, faz parte. Mas será que, se eu não tivesse voltado aqui em 2007, haveria basquete em Bauru? Quem fez mais pelo basquete masculino em Bauru do que o Guerrinha?” — até meio profética essa fala, lendo hoje.
A VOLTA DA PANELA
Todo o imbróglio da reforma do ginásio da Panela de Pressão, por exemplo, só se desenrolou pra valer quando ele deu uma dura entrevista à rádio Unesp, que repercutiu em todos os veículos da cidade. Esse foi apenas um dos vários posicionamentos políticos do treinador, sempre na linha de frente dos assuntos do time. Recordo-me quando não foi à cerimônia de Cidadão Bauruense para Larry Taylor, por não concordar com o tom eleitoreiro que o evento ganhou, ao ser agendado na última sexta-feira antes das eleições de 2012, quando o vereador Batata, propositor do título, concorria à reeleição. O mesmo Batata que sofreu duras críticas de Guerrinha enquanto secretário de esportes.
FICA, LARRY
Ainda sobre Larry Taylor, Jorge Guerra teve atuação determinante para a permanência do jogador em 2012, seduzido por uma suposta proposta do Flamengo. O comandante ligou para o diretor do clube carioca na frente de Larry para desmentir a negociação. E pediu ao armador que assinasse a renovação, pois era uma temporada fundamental, a da chegada da Paschoalotto. E o gringo-brasuca assinou.
ESPIRITUOSO
Dono das melhores aspas do basquete brasileiro, com suas broncas, metáforas e sinceridade, Guerrinha disparou falas inesquecíveis. Das que me lembro, quando conquistou a então inédita semifinal do NBB5, e a imprensa querendo saber do próximo adversário: “Estamos comemorando, falo com vocês sobre Uberlândia na segunda-feira…”, e logo depois fez coraçãozinho para a torcida de Franca, enquanto o xingavam. Outra boa, muito bravo depois de uma derrota que tirava chances de título paulista: “Copa TV Tem não é título”, referindo-se à taça conquistada pelo time em 2008, querendo dizer que a ambição em quadra deveria ser pelo primeiro título do projeto. Outra: “Jogador chinelinho não joga no meu time!”, após derrota para Franca no NBB4. Vale clicar no link e ver o diálogo entre ele e João Paulo Benini. Impagável!
CAIR A FICHA
A notícia pegou a todos de surpresa. Eu era um dos que faziam coro de que não existe Bauru Basket sem Guerrinha. A vida segue e vamos nos acostumar. Mas convido o leitor a clicar em mais este link, talvez o melhor texto que eu já tenha dedicado a ele. Só resta a todos dizer OBRIGADO. De fato, o Dragão é seu filho, Guerrinha.
SUBSTITUTO
Apesar da comoção, claro que há grande curiosidade sobre o novo treinador — enquanto isso, Hudson Previdelo dirige o time. O GloboEsporte.com falou em Demétrius (que tem boa relação com o diretor técnico Vitinho Jacob), mas ele tem contrato em vigor com o Minas. Até onde apurei, caso Hudson não seja efetivado, está mais para Dedé, ex-Limeira, eleito melhor treinador do NBB7 — e que recentemente colaborou e foi “ouvinte” da comissão técnica bauruense nos duelos contra o Real Madrid. Mais um gesto de Guerrinha, aliás.
Foto do topo: Caio Casagrande/Bauru Basket