Habituado a causar impacto por suas vestimentas fashion a cada fim de semana da Fórmula 1, Lewis Hamilton dedicou-se especialmente ao Grande Prêmio de São Paulo, em Interlagos, por causa de sua afeição pelo público brasileiro — o heptacampeão mundial é um confesso fã de Ayrton Senna e, ano passado, tornou-se cidadão honorário do país. Depois do look da quinta (uma peça estampada com a imagem do tricampeão), nesta sexta o piloto inglês chegou ao autódromo vestindo um agasalho usado pela seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1994, conquistada menos de três meses depois da trágica morte de Senna.
A peça é original. Foi usada por algum membro da comissão técnica canarinho e fazia parte, originalmente, do acervo do preparador físico Moraci Sant’anna. Até chegar às mãos do colecionador Cássio Brandão. O publicitário, que soma mais de 6 mil camisas históricas, é criador do Alambrado Futebol & Cultura, onde parte dessa riqueza histórica é vendida ou trocada por outras raridades — com o conceito match-worn shirt (as camisas usadas em jogo são mais de 90% do total).
Parte porque muitas são inegociáveis, como camisas do Santos e da seleção usadas por Pelé no início dos anos 1970, e peças vestidas pelo Doutor Sócrates (do Botafogo de Ribeirão, do Corinthians, do Flamengo, da Fiorentina e até mesmo do time da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto!). O agasalho emprestado a Hamilton também está entre os itens que não estão à venda.
Isso mesmo: emprestado. O piloto irá devolver a peça que desejou comprar. Acabou adquirindo duas camisas da seleção, uma amarela e uma azul, modelos de torcedor oficiais da Umbro vendidos à época.
Conversei com Cássio, que é meu colega de Memofut (Grupo Memória e Literatura do Futebol), para saber dos bastidores dessa empreitada de fazer chegar a peça ao heptacampeão mundial:
A ideia
“Procurei a equipe do Hamilton para oferecer a possibilidade de ele usar um item do Pelé. Um Sir vestindo o Rei! E é o primeiro GP depois da morte do Pelé, uma semana depois do aniversário dele… Bati na porta de uns quarenta assessores. Chegar em um assessor que tem contato direto com o Hamilton não é nada fácil. Fiquei tentando até que um assessor muito próximo dele, o Kevin, um dos braços direitos, quis ouvir a minha ideia.”
O encontro
“O Kevin topou vir me conhecer, fizemos uma reunião e mostrei o acervo. Ele gostou muito da ideia de celebrar o Pelé e o Hamilton participou de tudo. Ele ligava, mandava fotos… A ideia acabou se transformando pela conexão emocional do Hamilton com 1994, a primeira Copa do Mundo que ele acompanhou.” [tinha 9 anos à época]
Outras possibilidades
“Nessa linha de o Hamilton ser um ícone fashion, chegamos a discutir ele usar camisa de clube. Mostrei camisas coloridas dos goleiros Ronaldo Giovanelli (Corinthians), Sérgio (Palmeiras) e Zetti (São Paulo) e também uma da Lusa, do Dener — e contei sua história de menino da periferia e mostrei uns lances. Mas o Hamilton se conectou mesmo com a Copa de 1994.”
Em mãos
“Levei o agasalho ao hotel Palácio Tangará, onde o Hamilton está hospedado, e entreguei para a assistente dele, Santi. Será devolvida com uma carta assinada por ele, que estou aguardando ansiosamente. O agasalho não será autografado porque descaracterizaria a história da peça, que esteve lá no Rose Bowl, na final da Copa.”
O projeto Alambrado
“É um projeto de preservação histórica relacionado ao futebol, a partir de uma camisa. Camisas contam histórias, né? Criei em 2008, temos site e uma loja, que fica em Pinheiros, que funciona como ponto de troca e de retirada dos itens comprados. É quase um trabalho de arqueologia, que envolve mais de 50 mil fotos em uma base de dados para ver os detalhes, checar de qual época é cada camisa. É um trabalho que tenho muito carinho em executar.”
Abaixo, o conteúdo da carta enviada a Lewis Hamilton (tradução nossa):
Prezado Sir Lewis Hamilton,
Obrigado por celebrar o futebol brasileiro!
Em suas mãos você encontra um item fantástico usado em um jogo de Copa do Mundo, uma verdadeira joia da história do nosso esporte.
Em 1994, nós ganhamos nossa quarta estrela em nossas camisas — agora temos cinco! Aquele foi um ano muito especial para nós!
Espero que aproveite esse tesouro especial!
Cássio Brandão e time Alambrado